A TRÁGICA RESISTÊNCIA XOKLENG NO ALTO VALE DO ITAJAÍ ATÉ 1914
SILVIO MARTINS
A TRÁGICA RESISTÊNCIA XOKLENG NO ALTO VALE DO ITAJAÍ ATÉ 1914
DEDICATÓRIA
Era uma tarde de maio do ano de 2000, fresca com o céu
límpido e azul, em Florianópolis. Parecia uma tarde normal como todas as
outras, o comércio, o policiamento, o governo que despachava tudo dentro da
ordem estabelecida... Mas, eu convicto que não era, seguia junto a uma mega
passeata de servidores, estudantes universitários e professores da Rede Pública
Estadual.
O vulto de milhares de pessoas causou espanto, as ruas então
pararam. Imprimia a idéia de que o mundo havia parado para nos observar. Sentia
que estava participando de um momento muito importante na história desse país,
força da união e da indignação. Nunca a idéia de exploração de minha classe
esteve tão evidente.
Sem querer, nossos olhares desviaram-se à margem, à calçada.
Ali se encontrava, montava-se o cenário comovente da realidade de milhões de
brasileiros, quase anônimos. E foi nesse instante, com assombro, o meu olhar
tocou no brilho dos olhos de três atentos espectadores. Alienados, pareciam
assistir a história passar, sem, no entanto, poder alcançá-la. Eram dois
vendedores ambulantes maltrapilhos, um negro e o outro pardo, e ao lado,
sentada na calçada uma índia, que segurava nos braços duas crianças.
Foi então, que cheguei à conclusão de que minha classe
possui conhecimentos, ou melhor, instrumentos para conquistar alguns de seus
direitos, força e certo apoio político para lutar, não é uma casta. Mas, há uma
classe que compreende milhões de brasileiros, que nem instrumentos para lutar
dispõem. Sofrem calados. São quase anônimos. São brasileiros sem Pátria.
Esses brasileiros sem pátria são resultados de um
processo histórico de conquistas e dominação. Esse processo se inicia no século
xv e xvi, com as conquistas européias pelo mundo. A situação desses
marginalizados é incompreendida e, parcela da sociedade brasileira cultiva
preconceitos que atualmente são difundidos pelas redes socais. Ideologias que
criticam, por exemplo, as políticas públicas que visão a diminuição dessas
disparidades.
E diante dessa reflexão, dedico
este livro àquela ÍNDIA DESCONHECIDA, que apesar de estar
aparentemente derrotada, ainda conservava um olhar altivo.
RESUMO
Essa pesquisa monográfica tem como finalidade
determinar e analisar os principais fatores que motivaram o massacre
sistemático dos indígenas Xokleng no Alto Vale do Itajaí, em Santa Catarina.
Genocídio que teve seu ápice nas duas primeiras décadas do século XX; procura
caracterizar a política do Estado brasileiro frente ao “obstáculo” imposto
pelos Xokleng; caracteriza também a forma que se efetivou a dramática
resistência indígena até o momento da “pacificação”, culminando em 1914. Essa
pesquisa foi possível graças a uma farta bibliografia referente ao assunto,
fotos da época, história oral. Para melhor entendimento, realizou-se um
apanhado geral da História do Brasil, que deve o início à expansão européia no
século XV. Verifica-se que o avanço colonial da segunda metade do Século XIX
provocou a migração e o refúgio dos Xokleng no Alto Vale do Itajaí,
concomitantemente entraram em choque com os colonos, que por sua vez também
foram vítimas. Pois, tudo foi estabelecido a favor dos interesses da elite
local e de grandes grupos econômicos. Nesse contexto destaca o contato violento
da colonização européia com os Xokleng, que tradicionalmente habitavam as
terras interiores de Santa Catarina. Sucedeu-se o genocídio sistemático
comandado pela figura do “Bugreiro”, com apoio e até mesmo financiado pelo
governo. O genocídio Xokleng tomou maiores proporções após a “pacificação”
devido à propagação de epidemias e a destruição de sua cultura. Desta forma, os
debates humanistas que levaram à redução dos indígenas no Alto Vale do
Itajaí não solucionaram definitivamente
a questão, pois em menos de 15 anos a população Xokleng havia sido reduzida a
um terço daquela contada originalmente. A concentração indígena em uma área
isolada serviu apenas para concretizar o processo de colonização do Alto Vale
do Itajaí.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I
1.OS POVOS
INDÍGENAS E CONQUISTA DA AMÉRICA
1.1 - A Origem dos
Povos Indígenas
1.2 - A Conquista
Européia
1.2.1– A Conquista do
Sul do Brasil
1.2.2 - A Ocupação de
Santa Catarina
CAPÍTULO II
2. OS
XOKLENG E POLÍTICA COLONIAL
2.1 – Os Índios
Xokleng
2.1.1 – A Migração
Xokleng no Século XIX
2.2 – A política
Colonial na Monarquia
2.3 – A Política Colonial Brasileira no Final do Século
XIX e Início do Século XX
CAPÍTULO III
3. O CONTATO
3.1 – A Reação à
Presença do Europeu
3.2 – O Governo
Oficializa o Massacre
CAPÍTULO IV
4. O
GENOCÍDIO INDÍGENA
4.1 – A Ação dos
Bugreiros
4.2 – O Debate
Humanista
4.3 – A Tragédia
Pós-contato
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
ANEXO
INTRODUÇÃO
O resgate histórico da
trágica resistência do povo indígena Xokleng, mais conhecido como Botocudo,
culminando no início do século XX, com quase o seu total extermínio, seria
suficiente para imprimir a importância de uma pesquisa. Analisar uma etnia –
principalmente numa fase marcante de sua história – é buscar aquilo que a
humanidade gerou e possui nas etnias dentro de sua própria maneira de se
manifestar, que é a cultura; é não deixar perderem-se conhecimentos
conquistados em inúmeras gerações; é resgatar a igualdade e o direito à vida do
homem; é também através da análise da história tomar consciência do perigo e
das influências da civilização européia, que sempre se considerou superior às
demais colonizadas.
Atualmente a questão indígena é o centro de inúmeros debates
internacionais, atraindo estudos e exercendo pressões para que o governo
brasileiro tome medidas concretas na preservação de sua cultura e na demarcação
de áreas reservadas a sobrevivência de diversos povos, principalmente na região
norte do país, onde freqüentemente são encontrados povos que ainda vivem
isolados da civilização européia. Esses indígenas continuam a sofrer ameaças a
sua sobrevivência através da violência de grupos armados interessados nas
riquezas de seu território, através da destruição de sua cultura e propagação
de epidemias.
SANTOS (1978, pp.9-10) e VISENTINI (1999, pp.14-15), comentam
que o índio é quase um desconhecido no Brasil. A sua natureza como homem é
freqüentemente colocada em dúvida, é quase sempre um personagem do passado, às
vezes, tratado de forma exótica e romântica. Até mesmo os livros didáticos
cometem erros grosseiros, considerando os indígenas brasileiros possuidores de
uma cultura homogênia.
O contexto atual serve como
motivação para o retorno dos olhares ao final do século XIX e início do século
XX, quando ocorreu um genocídio deliberado por empresas de colonização e pelo
governo do indígena Xokleng no interior de Santa Catarina.
O foco dessa pesquisa é o Alto Vale do Itajaí nas duas
primeiras décadas do século XX, enquanto cenário do refugio e resistência do
último grande grupo Xokleng. Dessa forma, o objeto do nosso estudo é o
genocídio indígena que se sucedeu concomitantemente antes e logo após a “pacificação”
em 1914. Buscando determinar e analisar os fatores desse contexto e as
características da resistência indígena. Busca-se também relacionar a
influência da política do Estado com o destino dos povos indígenas da região na
época. Espera-se que o estudo de nossa localidade seja um fator de indução para
um maior conhecimento da História do Brasil.
Esse trabalho foi realizado mediante a um farto número de
referências bibliográficas, fotos da época, relatos obtidos de forma verbal por
pessoas que vivenciaram os principais acontecimentos no Vale do Itajaí. No
entanto, deseja-se realizar pesquisas mais aprofundadas, e no futuro, até mesmo
o lançamento de um livro ligado ao tema.
A cerca dos quatro capítulos que compõem este trabalho,
procura-se iniciar a análise do geral, ao particular, que seria o objeto de nosso estudo. Sendo que o
capítulo I, aborda o conhecimento que se tem sobre a povoação indígena da
América e a relativa recente ocupação européia dessas terras. O capítulo II,
aborda as peculariedades do povo Xokleng, sua ocupação e a política oficial de
ocupação de seus territórios no século XIX e início do século XX. Já no
capítulo III, é destacado o contato Xokleng com a civilização européia, diante
disso, a reação indígena e a oficialização do governo ao massacre. O último
capítulo(IV), por sua vez, destaca a ação dos bugreiros os “exterminadores de
índios” e o debate humanista que diante desse contexto se faz presente
Este Trabalho Monográfico apresenta
relatos inéditos na literatura partindo
da dedicatória que é um texto
especial baseado na concepção e vivência do
autor.
Por fim, esse estudo
termina com a evidência da tragédia
indígena, mesmo após o confinamento desse povo em uma “aldeia isolada”.
Espera-se que, essa pesquisa seja motivo e instrumento de
outras mais exaustivas sobre o assunto e que contribua ao ensino de História do
Brasil, da qual o pesquisador é professor.
CAPÍTULO I
1. OS POVOS
INDÍGENAS E A CONQUISTA DA AMÉRICA
1.1 A Origem
dos Povos Indígenas
Estudo na área de genética,
antropologia e até mesmo dentro da arqueologia e lingüística, apontam o homem
indígena americano – do qual também faz parte os Xokleng do Alto Vale do Itajaí
– descendente de ancestrais asiáticos. Sobre a povoação da América, a hipótese
mais aceita sustentam-se nas seguintes explicações:
As
primeiras migrações teriam ocorrido em torno de 20 mil anos. Caçadores nômades
em perseguição a animais teriam atravessado o Estreito de Bering entre Sibéria
e Alasca;
Ocorreram
também sucessivas migrações, através das ilhas do Oceano Pacífico de povos
partindo da Indonésia. Provavelmente a ocupação do continente americano ocorreu
das duas formas acima.
O que ainda não se chegou a uma conclusão definitiva, é a
data que esses povos ocuparam a América. Segundo a antropóloga Niéde Guidon¹ e
outros pesquisadores, as mais antigas
travessias foram realizadas em torno de 40 mil a 70 mil anos. A pesquisa
realizada por Guidon no Sítio de São Raimundo Nonato, no Piauí, revela
vestígios humanos datados aproximadamente à 50 mil anos. Apesar de haver
vestígios próximos à 40 mil anos, é aceito atualmente como certo de que o atual
território brasileiro foi ocupado definitivamente em torno de 11 mil anos atrás
por povos nômades, caçadores e coletores.
1 – Ver
Gilberto Cotrim. História Global, p.
19, segundo o qual, Niéde Guidon é pesquisadora da pré-história brasileira
desde 1977, dirige um importante trabalho arqueológico no Piauí.
Estudos recentes sobre cerca de 300 mil indígenas que
sobrevivem no país reconhecem 215 etnias diferentes com 170 línguas distintas.
Sabe-se que a maioria delas derivam de quatro troncos lingüísticos: o tupi-guarani, o Jê, o aruake e o kari².
Sabe-se que em 500 anos de
história de ocupação europeus do Brasil muitos povos foram totalmente extintos,
o que se torna quase impossível de estudá-lo
1.2 a conquista da européia
A trágica história do povo
indígena brasileiro é relativamente recente, em especial da Região Sul do
Brasil, no Alto Vale do Itajaí, em Santa Catarina.
Pergunta-se como o europeu há 500 anos conquistou essas
terras e de que forma foi essa conquista?
Em torno do século XIII o capitalismo comercial inicia o seu
desenvolvimento do seio do Feudalismo em crise. Mercadores movidos na busca do
ouro e de outros produtos comerciais que rendessem lucros fizeram com que o
capitalismo comercial suplantasse o antigo regime econômico fechado em si
mesmo.
Portugal, pequeno país da Península Ibérica, torna-se o
pioneiro da expansão marítima comercial com a conquista de Ceuta (norte da
África), em 1415. Basicamente o espírito das Cruzadas – unindo fé e comércio –
impulsiona essa aventura cara e arriscada. O objetivo português seria contornar
a África para chegar às Índias, o quê foi realizado por Vasco da Gama, em 1498.
Mas foi op
italiano Cristóvão Colombo, a serviço da Coroa Espanhola, que oficialmente
chegou a América, em 1492. A ocupação começou pelas Antilhas, selando para
sempre o trágico destino dos povos indígenas americanos. Calcula-se
2 – Tais
dados com base em informações extraídas de O Retrato dos Ex-donos do Brasil.
Revista Nova Escola, São Paulo, ano
XVI, nº121, p.14, abril de 1999 é de José William Visentini. Brasil – Sociedade e Espaço, p. 204.
que em
menos de um século a população americana nativa estimada em 88 milhões foi
reduzida a 3,5 milhões³
No território brasileiro a
população estimada é de cinco milhões na época, atualmente sobrevivem em torno
de 300 mil.
ROMANO (1973, pp. 12-24),
procura dar ênfase ao genocídio classificando três tipos de violência praticadas
pelo europeu contra as nações indígenas: a violência militar, a violência
econômica e a violência cultural.
A violência militar consiste no uso da pólvora (armas de
fogo), uso do cavalo (provocando alta mobilidade) e o uso do aço (material
resistente). Todas essas armas eram desconhecidas pelos indígenas4.
No entanto a superioridade do armamento europeu não é suficiente para explicar
a vitória do conquistador. O conquistador foi ajudado pela guerra microbiana.
Muitas doenças contagiosas trazidas pelos europeus como o sarampo, tifo,
varíola, pneumonia, gripe, etc., provocaram verdadeiras epidemias arrasando
aldeias inteiras, pois os nativos além de desconhecer remédios contra esses
tipos de males não tinham desenvolvido a resistência imunológica.
__________________
3– Ver Darcy
Ribeiro. As Américas e as Civilizações,
1970 apud Anais do Congresso de História de Santa Catarina (entre 4 a 7 de
setembro de 1996), p. 126.
4– Os povos indígenas viveram
isolados por milhares de anos da civilização européia, africana e asiática,
tais inventos e descobertas não chegaram até eles. Assim como os
desenvolvimentos de brilhantes Civilizações Ameríndias (Astecas, Maias, Incas)
não devem em nada às primeiras.
A violência econômica consistiu, na desestruturação do mundo econômico,
desses povos, populações inteiras foram aprisionadas, escravizadas, removidas
ou obrigadas a migrar ou fugir para outras regiões, como é conhecido o caso do
povo Panará, que migrou do atual Estado de Minas Gerais para a região do atual
Xingu e só foram contatadas novamente no século XX.
A violência cultural efetivou basicamente a destruição das
culturas indígenas. Essa destruição foi imposta pela evangelização. A figura do
padre e do soldado sempre estava juntas, a cruz e a espada tornaram-se símbolo
da conquista.
Pesquisas
recentes do DNA revelam que 70% da população brasileira descendem de indígenas,
africanos e europeus. 5. O que foi suficiente para alguns críticos
oportunistas apontarem que cinco milhões de indígenas na época do descobrimento
transformaram-se em 100 milhões de brasileiros que nesse caso não houve a
extensão de genocídio apresentado por estudiosos da área.
Sabe-se que a
miscigenação foi um instrumento de ocupação e povoação muito importante
utilizado pelos portugueses6. Mas esse fenômeno não nega e nem
justifica o extermínio brutal e quase total que a colonização européia praticou
aos povos indígenas. O número da população dos países conquistadores da época –
Portugal, Espanha, Inglaterra, França e Holanda - era muito inferior aos das
populações que habitavam no continente americano. Atualmente os dados
apresentam que esses povos contam com 3,5 milhões de descendentes diretos. E a
situação original inverteu-se, pois a população européia compõe-se de uma
maioria absoluta em detrimento de uma minoria nativa da América. Além do mais,
quando morre uma cultura, também morre um povo. Em 500 anos houve uma morte
progressiva da cultura indígena. __________________
5 – Interessante crítica apresentada por SARNEY, José. Arte dos 500. Folha de São Paulo,
Opinião, SP Nº 25.958, p. 2, 28/abril/2000. Esta informação também foi
amplamente divulgada nos tele-jornais em função da comemoração dos ‘500 anos do
Brasil’.
Voltando ao século XVI, em continuação da análise da
conquista portuguesa do território brasileiro, percebe-se que o trabalho
indígena foi manipulado para extração do Pau-Brasil, e posteriormente serviu ao
trabalho escravo. O etnocentrismo europeu – a etnia européia como centro do
mundo – foi utilizada como justificativa para tal empreitada, tanto que foi
inócuo a publicação da Bula Papal de Paulo III, em 1537, declarando o índio
como homem de verdade.
Em 1532, Martim Afonso de Souza, funda a Vila de São Vicente.
O objetivo português era formar uma vasta empresa comercial para abastecer o
mercado europeu. Seria esse o sentido da colonização e do qual o povo
brasileiro ainda é refem7.
_________________
. Em 1534, Portugal dividiu o Brasil em 15 grandes
lotes que posteriormente receberam o nome de Capitanias Hereditárias. Esse loteamento8, ainda respeitava
o Tratado de Tordesilhas, de 1494, acordado entre Portugal e Espanha.
1.2.1. A
Conquista do Sul
Foi o
Bandeirante, partindo do planalto paulista que ultrapassaram no século XVII a
linha do Tratado de Tordesilhas. As Bandeiras promovidas por particulares, mas
muitas vezes, com apoio oficial, possuíam como objetivo o apressamento indígena
para o trabalho escravo e a busca de ouro e pedras preciosas. Os Bandeirantes
conflitaram com as reduções jesuíticas, principalmente na região sul, onde os
indígenas eram aldeados para catequiza-los. Os Bandeirantes atacavam estas
reduções, pois esses indígenas já se encontravam mais adaptados à cultura
européia, 6– Ler Gilberto Freyre, Casa Grande e Senzala, 1978. Essa
renomada e polêmica obra argumenta que a miscigenação
foi utilizada pelos portugueses como forma de se fixar e expandir seus
territórios conquistados, já que
sendo mais úteis ao trabalho escravo. Estima-se que centenas
de milhares de indígenas foram mortos e escravizados pelas Bandeiras.
Nas primeiras décadas do século XVIII, a região sul do Brasil
passou a despertar interesse ao colonizador. Pois a carne do gado tornou-se um
produto importante para abastecer as regiões mineradoras. O gado fora
introduzido pelas missões jesuíticas nas Campinas do Sul, no princípio
desenvolveu-se em estado selvagem, principalmente com a destruição das antigas
reduções jesuíticas.
O Tratado de Madrid, em 1750, segundo MARCON9, foi um marco fundamental para a
política de colonização do sul do Brasil. Pois nesse tratado ficou reconhecida
definitivamente a posse portuguesa do território, além do Tratado de
Tordesilhas.
1.2.2 – A
Ocupação de Santa Catarina
O litoral do atual Estado de Santa Catarina passou a ser
ocupado definitivamente no século XVIII, com o objetivo de defender a costa
contra a posse dos Castelhanos, tanto que datam dessa época numerosas
fortalezas construídas no litoral catarinense.
_________
a população portuguesa era pouca
numerosa. Desde o princípio, era comum filho de pais portugueses com mães
indígenas.
7 – É uma visão de Caio Prado Vr.. Formação do Brasil Contemporâneo, 1979
in COTRIN, Gilberto. História e consciência do Brasil. São Paulo:
Saraiva. 1994.pp.50-51
8 –
Percebe-se aqui o sentido até então desconhecido da propriedade privado,
sentido até então desconhecido pelo indígena brasileiro, mas que foi
determinante para ‘legalizar’ o seu
extermínio.
9 – Ver Telmo Marcon (et tal). História e cultura Kaingang no sul do Brasil,
p. 56. O mesmo apresenta uma importantes
informações sobre a colonização do Sul
do Brasil e a questão indígena.
Desde o século XVIII, o Estado Português passou a incentivar
a vinda de famílias açorianas, com o objetivo de povoar o litoral e fortalecer
a sua posse.
Quando as famílias açorianas passaram a ocupar a faixa
litorânea, os Carijós10 encontravam-se reduzidos em pequenas
aldeias e praticamente extintos pelo tráfico de escravos para São Paulo, por
epidemias e pela violência militar. Santos (1978) comenta que foi os Carijós
que ofereceram as primeiras condições de sobrevivência às expedições lusitanas
e vicentinas, foram sempre bem recepcionadas pelos Carijós.
Outros povos como os Kaingang e especialmente os Xokleng,
passaram então a serem pressionados pela colonização. Um processo de
colonização que se alastrava a partir do litoral e a ocupação do planalto
lageano que interligava com Curitiba. A partir da segunda metade do século XIX
as terras ainda virgens passaram a ser ocupadas oficialmente pelo projeto
nacional de colonização que contava com a introdução de migrantes europeus com
base na pequena propriedade familiar.
Diante dessa nova investida, as empresas e agentes da
colonização entraram em choque direto com os Xoklens que até então haviam
fugido e resistido ao contato – é o que analisaremos no próximo capítulo –
.Portanto o Alto Vale do Itajaí, por razões geográficas tornou-se uma área de
açoitamento dos Xokleng, um dos últimos refúgios da região sul do Brasil. E
outra conclusão mais geral deste capítulo é que, a expansão européia resultou
no extermínio de inúmeros povos nativos da América.
__________________
10 – Os
Carijós, chamados assim por causa da miscigenação pertencem ao grupo
Tupi-guarani, que povoavam densamente o litoral. Ao contrário dos Xokleng que
habitavam o interior catarinense, praticando a caça e a coleta, esses povos
praticavam a agricultura de subsistência e transmitiram conhecimentos na
utilização da mandioca e milho.
CAPÍTULO II
2. OS XOKLENG E A POLÍTICA COLONIAL
2.1 - Os Xokleng
São várias
as denominações usadas para esse povo. SANTOS (1997, p.16) comenta que o termo Xokleng é o mais comum na literatura
antropológica¹. O termo Botocudo²
passa a ser usado após o contato. O termo bugre
também foi amplamente utilizado pela população, mas é uma referência
pejorativa³. Há na literatura outras denominações: Xokrén, Aweikoma e Kaingang.
Apesar dos
Kaingang possuir diferenças em relação aos Xokleng, esses dois povos são
referidos como Botocudos em algumas obras literárias e de estudo antropológico.
No entanto, devido às diferenças históricas, estrutura social, localização
geográfica e algumas diferenças lingüísticas, não seria o procedimento correto4.
Os Xokleng são mais conhecidos como Botocudos e os Kaingang como Coroados, é a
diferenciação que se faz atualmente dentro da Reserva Indígena Duque de Caxias,
localizada no Alto Vale do Itajaí.
Parece que
os Xokleng sempre foram tidos como mais arredios e agressivos que os Kaingang.
É lógico que esta afirmação carece de base científica, o que necessitaria de um
estudo mais aprofundado. Talvez esta afirmação provém do fato de que os choques
mais violentos e recentes ocorreram entre colonos e os Xokleng que se
encontravam acoitados em áreas ainda não invadidas pelo homem branco.
__________________
1 – Ver esse importante trabalho
realizado pelo antropólogo, docente da UFSC, contém memória visual com material
de excelente qualidade: SANTOS, Silvio Coelho dos. Os Índios Xokleng. Florianópolis: Editora da UFSC, 1997.
2– Receberam esse nome por causa do adorno introduzido no lábio inferior,
conhecido como tembetá. Os Xokleng
pertencem ao tronco lingüístico Jê do
qual também faz parte o povo Timbira, Kayapó, Xavante, Xerentes, Xabriabá,
Kaingang, Tapayúna, Kreen-akarôre e os Suyud.
3– Tornou-se popular o uso da expressão: ”Cuidado que o Bugre vem te
pegar” , endereçado a amedrontar as crianças.
4 – Ver NAMEM, Alexandro Machado. Botocudo: Uma História de Contato.
Florianópolis: Editora da UFSC; Blumenau. Editora da FURB, 1994. pp. 8-20. O
qual apresenta um estudo antropológico destacando certas singularidades na
estrutura social do povo Xokleng.
NAMEM (1994, p.18-20), ao apresentar um estudo antropológico
sobre os Xokleng deixa claro que esse povo historicamente desenvolveu
rivalidades entre facções e disputas violentas sempre aconteciam.
Os Xokleng, vivendo entre a proximidade do litoral e as
encostas dos planaltos, em um território que se estende entre Porto Alegre e
Paranaguá (PR)5, anterior ao contato com a colonização européia,
entravam em disputa com os Kaingang, pelas Campinas do planalto, devido a fonte
alimentar dos pinhões e a fauna associada ao Pinherais e aos Tupi-guarani que
viviam no litoral brasileiro e planalto, às margens dos rios Uruguai e Paraná.
O Xokleng era um povo nômade, praticavam a caça e a coleta,
dependiam da fauna6, do palmito, do pinhão (do qual confeccionavam
um tipo de farinha), do mel e xaxim (do qual fabricavam uma espécie de bebida
fermentada). Relatos verbais salientam que os Botocudos utilizando-se de copos
de taquara misturavam uma larva chamada goro – que se desenvolve em troncos em
decomposição – ao mel Silvestre. E que nos ataques aos animais dos colonos, o
preferido não era o bovino e sim o eqüino. Talvez isso se explica pelo fato do
último possuir uma certa semelhança com a anta, animal de grande porte e comum
na fauna brasileira.
2.1.1–
A Migração Xokleng no Século XIX
Namem7 em sua pesquisa
antropológica procura fazer uma reconstituição da origem e migração do povo
Xokleng. Para tanto se utiliza o trabalho do americano Urban8, cujo
orientador foi Tenences Turner, era membro da equipe coordenada por May
Bury-Lewis.
A mesma
reconstituição revela que no princípio havia dois grupos de perambulação, os
Wai-Kómang e os Kañre que possuíam padrões Jê e cultura Kaingang. Por volta do
final da primeira metade do século XIX, teve início ao processo de fissão da
estrutura social tradicional dos dois grupos. Ainda no início do século XIX, o
grupo de perambulação Wai-Kómang estava com contingente pequeno de mulheres, o
que fez o chefe Kuvê pedir mulheres ao chefe Kitedn do grupo Kañre, pois este
contava com muitas mulheres, inclusive praticando a poligamia. Kitedn cedeu as
mulheres a Kuvê, gerando, contudo ressentimento entre os homens de seu grupo de
perambulação.
Os homens
de Kañre planejavam atacar e exterminar os homens de Wai-Kómang, mas eles
descobrindo a intenção acabaram matando a todos os homens de Kañre. Por volta
de 1840 os Wai-Kómang migraram de seu território tradicional, leste do Paraná,
já bastante ameaçado pelo avanço da colonização para o estado de Santa
Catarina. Por causa do reagrupamento das mulheres do grupo Kañre deu origem a
três facções: Angyidn, ngrokothi-Tõ-Prèy e Rakrãno.
O grupo
Rakrano seria aquele que foi contato em 22 de setembro na foz do rio Plate,
afluente do rio Itajaí do Norte, próximo ao município de José Boiteux9,
na época território de Ibirama.
________________
5 – Ver o
mapa em ANEXO
6 –
Verifica-se que a sobrevivência desses povos não era fácil, quanto se trata de
caça e coleta, dentro de um espaço em que os recursos naturais não são
abundantes. A tradição da história oral relata que certa vez um índio para
O grupo
Ngrokothi-Tõ-Prèy corresponde ao que foi contatado em 1912 próximos a Porto
União (SC) e o grupo Angyidn, desaparecido na Serra do Tabuleiro. O que consta,
ficou isolado até 1970.
Percebe-se
pelas informações apresentadas acima, que os Xokleng separam-se do grande grupo
Kaingang, desenvolvendo rivalidades e guerras entre si. Até mesmo pede-se
interpretar pelas pesquisas que o grupo Wai-Kómang possuía um contingente maior
de homens (guerreiros) que o grupo Kañre. Com maior número de guerreiros, o
primeiro dominou e eliminou os homens do último. Ao reagrupar as mulheres, o
grupo do vencido perdeu-se a estrutura familiar comum aos Kaingang, e com a
pressão exercida pelo avanço da colonização esse grupo tendeu cada vez mais ao
isolamento.
A migração apresentada por NAMEM, (op.cit.) é
confirmada por MARCON (1994, p.64) pela seguinte citação: “Na medida que a
colonização avançou sobre os territórios indígenas intensificou o movimento
migratório da região de Palmas e Guarapuava no Paraná para o estado de Santa
Catarina e Rio Grande do Sul, já nas primeiras décadas do século XIX”.
O que se
deve indagar é sobre o destino de outros grupos Xokleng, indígenas que
certamente viviam no mesmo território. São registrados vários choques com
colonos europeus desta metade do século XIX em vários pontos do Vale do Itajaí,
inclusive mais próximos do litoral como Blumenau e Brusque. O destino da
maioria dos indivíduos desses grupos deduz-se que foi o extermínio. É
desconhecida a sobrevivência de algum grupo Xokleng além daquele que migrou
através do
______________
conseguir
caçar uma anta cavou um buraco no careiro habitual do animal e ficou ali por
vários dias, até que conseguiu atingi-la com um machado.
7 – Ver
NAMEM, op.cit. pp. 28-29.
Planalto
Norte Catarinense, estacionando no Alto Vale do Itajaí.Apesar das confirmações,
as informações sobre a migração Xokleng devem ser motivas de maior
aprofundamento.
A área em
que os Xokleng se refugiaram antes de aceitar a “pacificação” é característico
de uma “ilha” em meio da mata atlântica. Essa área ficou relativamente isolada
da colonização até o final da segunda metade do século XIX. Por ser um terreno
um tanto íngreme, localizando-se a cabeceira do Vale do Itajaí, às bordas do
planalto. Essa área serviu até mesmo como refúgio para os caboclos acoitados
pela guerra do Contestado ocorrido em Santa Catarina de 1912 a 1916.
Esse local
foi um dos últimos redutos da mata nativas em Santa Catarina, porque ficou
ilhado ao leste pela corrente de colonização alemã, promovido pela Companhia
Hansiática, que partindo de Blumenau – Ibirama subiu o Rio Itajaí do Norte
ou Rio Hercílio Luz e o Rio Itajaí do
Sul; ao sul pelo foco colonizador partindo de Lages – Curitibanos; ao oeste
pela construção da ferrovia ligando São Paulo ao Rio Grande do Sul e a Guerra
do Contestado; ao norte pelo avanço da antiga Colônia Lucena, atualmente
Itaiópolis10.
____________
8 – Dados antropológicos pesquisados entre 1914-1954, ano
durante que os quais chefe do Posto Indígena de Ibirama (atual José Boiteux)
foi Eduardo De Lima e Silva Hoerhan.
9 – Há vários municípios que fazem atualmente divisa com a reserva
indígena do Alto Vale do Itajaí. Entre eles destaca-se José Boiteux, Vitor
Meireles, Dr. Pedrinho e Itaiópolis.
10 – Itaiópolis foi uma colônia tipicamente de poloneses e ucranianos,
destacando-se também outras nacionalidades como alemães, lusitanos e italianos.
2.2– A
Política na Monarquia.
No início do século XIX, o governo monárquico português
incentiva a colonização do sul do Brasil através da concessão de Sesmarias. A partir de 1808, diante das
reclamações à Coroa que os índios matavam os fazendeiros, D. João VI apresentou
uma alternativa que seria “civilizar” os índios Botocudos, “liga-los a uma
escola severa, a fim de esquecerem de sua natural rudeza” (MARCON, 1994,
pp.62-63). Ainda comenta MARCON que após várias ofensivas frustradas por parte
do poder em “amansar os índios”, o rei decreta guerra oficial aos mesmos.
Com a proclamação da independência o governo brasileiro,
implantou uma política com finalidade de favorecer a imigração européia. No sul
foram criadas diversas colônias oficiais. Também foram feitas concessões para
empresas privadas que assumiram o compromisso de promover a localização de
imigrantes. A partir de 1824, passaram a chegar os primeiros imigrantes alemães
no Rio Grande do Sul, Santa Catarina em 1829 e Rio Negro no Paraná, também em
182911. Com a imigração européia, a região sul passou a ser ocupada
definitivamente com base na pequena propriedade de agricultura familiar. Seria
necessário formar um país tipicamente europeu, já que o próprio sistema
escravista apresentava sinais de decadência, principalmente diante das pressões
inglesas, assegurando o capitalismo industrial.
Os imigrantes passaram a ocupar áreas entre o litoral
e o planalto catarinense, território tradicional dos Xokleng que conforme
SANTOS (1978, p.29), passou a ocupar os “últimos bolsões de terras virgens,
reduto de acoitamentos de grupos indígenas não submissos (...)”.
_________________
11
- Informações extraídas de Silvio Coelho do Santos. Os Indios Xokleng 1997, p.19.
A política colonial recebe um marco importante que fora a
legitimação da posse das terras, pondo fim ao antigo sistema de Sesmaria,
conhecida como Lei
das Terras
aprovadas em 1850. Comenta MARCON (1994, p.70), que em 1850 “a própria terra
foi transformada em mercadoria”. Essa Lei excluía os caboclos, pequenos
posseiros e os indígenas.
2.3– A política
Colonial do Final do Século XIX
e Início do Século XX.
No final do século XIX e nos primeiros anos do século XX,
ocorre um significativo desenvolvimento, facilitado pela criação de uma
infra-estrutura básica, principalmente no setor ferroviário. Países da Europa e
Estados Unidos passaram a investir parte de seu capital excedente no Brasil.
Destaca-se a construção de uma ferroviária em 1908 ligando São Paulo ao Rio
Grande do Sul, por sua vez, cruzando o meio-oeste catarinense. O governo cedeu
15 km de cada lado da estrada a uma empresa norte-americana, com finalidade de
exploração da madeira araucária, ignorando a presença de pequenos posseiros. Ao
desalojar os posseiros, gerou um dos principais fatores da Guerra do
Contestado, que envolveu em torno de 20 mil posseiros.
O poder local personalizado em grandes fazendeiros; empresas
de colonização tornam-se ainda mais fortes com a Constituição de 1891, que
transferiu aos Estados as terras devolutas, destinadas à colonização. Esse fato
concorre para uma rápida e ofensiva ocupação de terras que serviam de refúgio
aos Xokleng.
No final do século XIX e início do século XX esteve em vaga a
filosofia positivista. Algumas autoridades republicanas, sendo positivistas
acreditavam que a sociedade ocidental civilizada passara por estágios de
desenvolvimento, progredindo do mítico ao filosófico e finalmente ao
científico,. Acreditavam no dever do Estado em civilizar e proteger os
indígenas. Para alguns positivistas, os povos indígenas encontravam-se ainda no
primeiro estágio e seria necessário enquadra-los dentro da civilização. Desta
forma o indígena é tratado como uma criança, devendo ser ensinada e protegida.
Frente a essa linha de pensamento, uma grande polêmica é
gerada por Von Lhering nos primeiros anos do século XX, afirmando que os
indígenas eram indolentes e inúteis e que deveriam ser punidos pelos crimes que
cometiam12. No entanto, Rondon em conferência combate Lhering nesse
discurso citado:
“Há vinte
anos que trabalho no meio deles, e até hoje os tenho encontrado por toda à
parte de peito aberto aos nobres sentimentos da humanidade, de inteligência
lúcida e pronta para aprender tudo que lhes quer ensinar; invencíveis às
fadigas do mais rude labutar; amigos constantes e fiéis dos que os tentam com
bondade e justiça. Não preciso repetir o auxílio que eles prestaram (...) para
compreender-se quanto é injusta a acusação levantada contra eles de seres
indolentes e inúteis (...)” (Anais do Congresso de História de
Santa Catarina, 1996, p.712).
Polêmica à parte, o objetivo
central do pensamento da época seria “civilizar” o índio e não “preservar” a
sua cultura, disforme da visão humanista dos dias atuais. Em 1910, diante de
repercussões internacionais sobre o genocídio indígena que continuava ocorrendo
no Brasil, levaram o governo brasileiro à criação do Serviço de Proteção aos
Índios (SPI).
O jovem indigenísta Eduardo de Lima e Silva Hoerhan, que
trabalhou com Rondon veio para o Alto Vale do Itajaí com objetivo de pacificar
os Xokleng. Para tanto, o mesmo contou com o auxílio de um interprete Kaingang.
Em 1914 conseguiu a “pacificação” dos Xokleng em Ibirama (Santa Catarina).
Diante desse “acordo” “pode-se incrementar o máximo todos os trabalhos da
Colonização” 13. No mesmo local, foram demarcados posteriormente
cerca de 14.156,58 hc. Os nômades Xokleng teriam que ficar restritos dentro
desse território sob olhar do SPI e a mercê do cerco da Sociedade Capitalista.
Concluí-se
nesse segundo capítulo que a política do Estado Brasileiro nunca deu
prioridades aos indígenas e, outras parcelas da sociedade também foram
marginalizadas. O avanço capitalista sempre levou a reboque as políticas
governamentais: tudo foi estabelecido a favor dos interesses da elite local e
de empresas. ________________
12 – Ver
Marcon, op.cit. P.144.
13 – Citação de Zedar Perfeito da Silva. Vale do Itajaí. Documentário da Vida Rural
– Nº 06, p.32.
CAPÍTULO III
3. O
Contato
3.1 –A
Reação à Presença dos Europeus
Ilustrando o contato e os primeiros choques entre os Xokleng e
a colonização européia, Darcy Ribeiro¹ conta em seu livro Os Índios e a
Civilização que ouviu de Eduardo Lima e Silva Hoerhan, responsável pela
constatação dos Xokleng no Alto Vale do Itajaí, uma narração mística que, de
certa forma, apresenta uma indígena dos primeiros contatos com o europeu: foi
durante uma expedição de caça que os índios perceberam uma trilha estranha em
que o mato fora cortado de forma estranha e diferente que na prática indígena
de apenas torcer e afastar os galhos e arbustos que dificultavam a caminhada
pela floresta. Curiosos seguiram a picada, cada vez mais estupefotos devido a
um tronco cortado pelo mesmo processo. Chegando até a praia, ali se depararam
com rastros estranhos. Algumas pegadas seguiam o mar adentro, outras seguiam a
margem da praia. Continuando a investigação, cada vez mais curiosos e sempre
protegidos pela vegetação costeira,
descobriram ao anoitecer um acampamento. Discutiram sobre quem seriam os
estranhos que ali se encontravam. Depois decidiram ataca-los para se apropriar
dos instrumentos cortantes que permitiam uma facilidade ao corte de arbustos e
de arvores. Durante a madrugada assaltaram o acampamento, matando os seus
ocupantes. Puseram-se a examinar o que havia ali e logo descobriram um machado,
alguns facões e facas. Ao amanhecer analisaram minuciosamente os corpos
daqueles seres cabeludos e Barbados. Tiraram a roupa com cuidado para observar
seus corpos peludos. As botinas responsáveis pelos estranhos rastros foram
minuciosamente analisadas, bem como as suas roupas. Puseram alguns mortos
apoiados em paus e cogitaram a possibilidade de serem esses humanos
verdadeiros. Ainda intrigados sobre questões que não podiam responder, separam
instrumentos cortantes e queimaram o resto. A seguir voltaram ao encontro do grupo
principal cheio de novidades e de posse dos instrumentos cortantes. Foram
envolvidos pela demonstração entusiástica. Disputas logo ocorreram pela sua
posse. Novas excursões foram realizadas em direção ao litoral com o objetivo de
encontrar o acampamento daqueles senhores de preciosos instrumentos
cortantes.Assim o ferro chegou aos Xokleng antes mesmo do contato direto com o
Branco, garantindo a esse povo aumentar o poder de suas armas tanto para a caça
como para a guerra. O ferro comenta Santos (Idem nota 1), teria sido um
atrativo aos Botocudo se aproximarem do homem europeu.Apesar dos indígenas se
apossarem de armas de ferro, não representou um reparelhamento de suas armas
tradicionais de caça e guerra. Ao contrário, foi insignificante contra facões bem
afiados e armas de fogo do “bugreiro”.
As histórias contadas pelos colonos mais antigos², que por
sua vez receberam essas informações da geração anterior e que vivem atualmente
no Alto Vale do Itajaí, são ricas em informações sobre a “caçada aos bugres”,
as armas utilizadas pelo Xokleng e alguns acontecimentos nefastos.Segundas
“informações verbais” as armas usadas na luta corpo-a-corpo contra os colonos
era um porrete de três quinas na ponta e com o cabo trabalhado artisticamente
com um tipo de cipó (conhecido como imbê). Analisando os fatos³ da obra de
Santos (1997), pode-se chegar a conclusão que esses porretes mediam em torno de
1,30 cm de comprimento. Um pouco maiores, cerca de 1,50 cm seriam as lanças. Os
indígenas Xokleng costumavam fazer uso de arco e flecha – além de usar na caça
– somente nas emboscadas e que se deduz de informações verbais.
_______________
1 – Essa história Mística é exposta por SANTOS, em seu livro Os
índios Xokleng, pp. 17-18,
que por sua vez é extraída de RIBEIRO Darcy. Os Índios e a Civilização. Petrópolis: Editora Vozes; 2ª edição,
1977, pp. 318-320.
2– Essa informação perpassam duas gerações, onde o autor é
natural – Rio da Louza, localidade que fica na extrema do município de
Itaióplis e do município de Ibirama (atualmente Vitor Meirelles). Ambos os municípios fazem divisa com a atual
Reserva Indígena de Duque de Caxias.
3- Como já foi mencionada, a obra citada apresenta uma
importante memória visual da História Botocuda, desde início do século XX no
Alto Vale do Itajaí, até os dias atuais.
Conta-se que em torno de 1910 (data estimada) um grupo
em torno de 200 indígenas (homens, mulheres e crianças) invadiram uma casa,
onde encontra-va-se João Martins4, um bugreiro mais conhecido pela
sua agilidade com o facão, Martins saiu atirando, depois de esgotar as duas
balas de pistola, o mesmo atracou-se na luta de facão. Cada vez que derrubava
um guerreiro, três ou quatro logo socorriam o companheiro vitimado pela lâmina
afiada. A luta não era desleal, pois se chegavam dois guerreiros de cada vez e
com seus porretes pesados eram alvos fáceis do ágil Martins bugreiro. Foi
assim, depois de duas horas de luta e de muitas perdas aos indígenas, os mesmos
se retiraram para a mata. Mais tarde o chefe indígena sobre uma arvore batia no
peito e gritava convidando Martins para a luta fora de seus domínios o que o
bugreiro não aceitou, temendo uma emboscada (informações verbais “in memorian”
de Rodolfo Martins). Portanto, esse relato confirma a inferioridade das armas
indígenas frente às armas européias.
Ao que parece, a maior parte dos bugreiros5 eram
caboclos, que já estariam adaptados à dureza do sertão. E os que sofreram mais
com os ataques indígenas foram os imigrantes que se estabeleciam nas novas
terras. Conta-se ainda que indígenas atacaram as residências desses colonos,
matando as mulheres e crianças, e de forma terrível, deixando expostos os seios
e as crianças cravadas em espetos (informações verbais). Com certeza esses
Episódios ajudaram a provocar ódio nos colonos.
Apresentamos aqui outros dados através da seguinte citação:
“Nos
sessenta e dois ataques realizados pelos indígenas no antigo município de
Blumenau, que se estendia de Gaspar ao Morro do Funil, na Serra Geral, sabe-se
que morreram 42 brancos, ficaram feridas 22 pessoas também brancas, cuja
maioria também faleceu em conseqüência dos ferimentos. Não se tem o número
exato de vítimas finais do Alto Vale (...)” (CARDOSO, 1991, p.39).
Toda essa agressividade indígena pode-se justificar
diante da invasão do homem branco. Como afirma SANTOS (1978), quase sempre
esses ataques eram realizados pelos indígenas em busca de alimentos. O que a
Civilização Ocidental não pode justificar é o etnocídio, o extermínio de muitos
povos indígenas que ocorreu de várias
maneiras no Alto Vale do Itajaí. Além disso, os imigrantes atraídos para a
região ignoravam os riscos e as lutas contra os habitantes nativos do local.
Pode-se considerar que tantos os indígenas como os colonos foram vítimas.
3.2 – O
Governo Oficializa o Massacre
As organizações de ataques aos indígenas são conhecidas desde os tempos
coloniais. Mas foi a Carta Régia publicada em 5 de novembro de 1808 por D. João
VI que oficializa o extermínio. Cita-se aqui uma parte da mesma:
“(...) que deveis organizar
em corpos aqueles milicianos de Coritiba e do resto da capitania de São Paolo
que voluntariamente quizerem se armar contra elles e com a menor despeza
possível da minha Real Fazenda perseguir os mesmos índios infestadores do meu
território” (SANTOS, 1978, pp.21-22).
________________
4– O “Martins Bugreiro” e “Martinho Bugreiro” sempre
foram confundidos pela semelhança dos nomes. Sobre o último, há inúmeros
registros oficiais.
5 – Conhecidos como “caçadores de Bugres” (índios).
Desta forma, a presença de indígenas nas áreas que estavam
sendo cogitadas para o estabelecimento de imigrantes era de conhecimento tanto
do governo monárquico e provincial, como dos interessados no negócio da
colonização. Através da Lei Nº 28, de 25 de abril de 1836 foi criada a
“Companhia de Pedestres”, visando a segurança dos colonos que chegavam, tendo
em vista os ataques aconteciam nos caminhos que ligavam as colônias. Dr.
Blumenau reclamava que a companhia estava mal equipada. A tropa acabou sendo
dissolvida em 1879 por falta de verbas.
A medida que o número de colônias ia aumentando, aumentava
também os ataques indígenas, pois os Xokleng percebiam que seu tradicional
território ia sendo tomado. O palmito, a caça, a pesca, o pinhão, o mel
silvestre passaram a ser disputados com os colonos brancos. Sabe-se que um povo
nômade precisa de um vasto território para sobreviver e depende exclusivamente
da natureza. É o caso dos Xokleng, que sentiram profundamente a invasão e a
usurpação de seu território.
A reação indígena passa a ser notificada com freqüência na
imprensa da província. Em contra partida aumentava a violência contra os
indígenas. As expedições, no interior das matas para revidar aos ataques
indígenas, passaram a ser comum desde a segunda metade do século XIX. Comenta
Santos (1997, p.26) que as palavras “bugreiro”, “caçadores de índios”,
“tropas”, logo começam a aparecer mais documentos oficiais nos noticiários dos
jornais.
O próprio governo provincial passou a fazer autorização de
receitas para pagar “tropas de bugreiros” o objetivo era afugentar os índios.
Mas veja essa citação:
“Em 5 de
junho de 1904, o Jornal Novidades (Itajaí) comenta matéria publicada no
Blumenau Zeitung sob o título.Como se civiliza no século XX: Nesse texto
o jornal de Blumenau denuncia as atrocidades cometidas pela turma incumbida
pelo governo para afugentar os índio (SANTOS, 1997, p.27)”.
Percebe-se aqui, que vários setores da sociedade começam a se
manifestar veementemente contra os Xokleng.
Na realidade a maioria das expedições organizadas a procura
de indígenas eram financiadas pelo governo ou por empresas coloniais e tinham
como objetivo e extermínio dos nativos do Alto Vale do Itajaí. Precisa-se
esclarecer também que, algumas tentativas de “contato pacífico” foram
realizadas no final do século XIX em Blumenau e em Papanduva pelo sertanista
Joaquim Francisco. Mas todas essas tentativas de “aldeamento indígena” foram
fracassadas. É necessário lembrar que o “aldeamento indígena” visa apenas o
lado do colonizador e não beneficia o indígena.
CAPÍTULO IV
4. O GENOCÍDIO
INDÍGENA
4.1 – A Ação dos Bugreiros
Como é de conhecimento os bugreiros eram caçadores de índios
e atuavam organizadamente sob uma liderança. Cardoso (1991, p.65), comenta que
“O Êxito da Vitória ( nos assaltos), dependia do número de atacantes,do
completo conhecimento dos costumes do inimigo, da coragem, da astúcia e da
obediência ao chefe”. Segundo SANTOS(1997) e CARDOSO (1991), o grupo de
bugreiros compunha-se em média se 8 à 15 homens, geralmente bem aparentados.
Através de “informações verbais”, pode-se estabelecer uma
idéia de como eram organizadas as batidas: primeiramente fazia-se o
reconhecimento do Território onde supostamente encontravam-se os
“bugres”.Procuravam localizar o acampamento indígena. Todo o cuidado era pouco,
os índios construíram armadilhas sob valas camufladas de folhas e galhos secos,
dentro da qual encontravam-se estacas ponte-agudas. Diante de tal risco os
bugreiros eram obrigados a tocar com um bastão o chão evitando serem
surpreendidos pela armadilha quando enveredavam o acompanhamento indígena.
Localizando o acampamento, sitiavam-no à noite. Os indígenas tinham o costume
de construir uma extensa fogueira, onde todos dormiam em fileira, os pés em
direção ao fogo. Durante a madrugada, o guerreiro que vigiava o acampamento
começava a dormitar. O vacilo do vigia era o sinal verde para o assalto.
Começando pelo vigia, a maioria era desolada ao fio do facão. Usava-se arma de
fogo quando era preciso. Para o serviço ser completo não deveria sobrar
ninguém, pois podiam praticar vingança.
Comenta SANTOS (1978, pp. 29-31), que para a efetivação da
conquista dessas parcelas da população e do sertão, as empresas interessadas no
negócio da colonização, apoiados por governos provinciais incentivavam a
formação de grupos civis que se especializaram na guerra de extermínio ao
índio. Muitos indivíduos chegaram a assumir as funções de bugreiros como uma
profissão. Há informações que no Sul do Estado
o bugreiro devia comprovar o resultado de seu serviço, cortando as
orelhas dos indígenas mortos e colocando-as em salmoura para serem apresentados
aos agentes da Cia de Colonização encarregado pelo pagamento. Para elucidar
melhor sobre tal massacre cita-se o depoimento de um bugreiro:
“O assalto foi executado no dia seguinte ao romper do
dia. O pavor e a consternação produzida pelo assalto foi tal, que os bugres nem
pensaram em desfazer-se, a única coisa que fizeram foi procurar a brigar com o
próprio corpo, a vida das mulheres e crianças” (SANTOS,
1978, p.31).
Percebe-se assim, a tal intensidade do genocídio praticado
contra o povo Xokleng. A sua reação é justificável, até como uma defesa, pois o
seu território estava sendo invadido, a sua sobrevivência estava sendo posta em
risco.
O mais conhecido bugreiro de Santa Catarina foi Martinho
Marcelino de Jesus ou “Martinho Bugreiro”. Nascido em torno de 1876, em Bom
Retiro, percorreu varias colônias do Vale do Itajaí e segundo SANTOS (1997)
“volta e meia ele estava em Florianópolis prestando conta ao governo”.
Muitas crianças foram trazidas como troféu pelos bugreiros.
Um caso bastante conhecido foi o de Maria Korikrã¹. Ela foi trazida da floresta
por “Martinho Bugreiro”, em 1905, para mostrar à população de Blumenau o seu
serviço. Essa criança recebeu o nome de Maria Gensh, porque foi adotada pelo
Dr. Hugo Gensh, recebendo por sua vez uma educação esmerada, aprendendo falar
alemão e o francês. Posteriormente em 1918 ela foi apresentada aos seus pais
biológicos que já se encontravam aldeados na reserva indígena de Ibirama. Os
seus pais a reconheceram, retirando a roupa da mesma para certificar-se da
tatuagem que representava a marca tribal. O que ocorreu diante dessas atitudes
foi a repugnância dela e de seus pais adotivos, em contrapartida a revolta e a
tristeza de seus pais biológicos, pois a filha tirada tão cedo de seus braços
teve uma outra educação, uma outra visão de mundo, o que gerou um choque
cultural.
Outra narração interessante feita por CARDOSO (1991, pp.
65-66), é sobre um ataque realizado num dos afluentes do Rio Itajaí do Sul por
Martins, no qual foi poupada uma índia, a qual foi denominada “Jaci”. O
ajudante Chico fez uma petição ao Martins para deixá-la com vida, já que havia
se encantado pela sua beleza. O mesmo pretendia civilizá-la e torná-la sua
esposa. Apesar de alertado dos obstáculos pelos seus companheiros, Chico
apresentou-se muito otimista. De mãos
amarradas a índia foi levada a reboque por Chico de acordo com as ordens de
Martins. Porém em determinado momento “Jaci” mostrou-se recalcitrante e
revoltada planeava a morte dos seus. Resolveram então aplicar meios mais enérgicos.
Uma luta ____________________
1 – Esse fato e relato por Darcy Ribeiro, citado por
SANTOS, 1997, pp. 28-29.
travou-se entre “Jaci” e Chico, mesmo com as mãos
amarradas ela golpeou, arrancou e mordeu o seu admirador. Diante desse fato
Chico ainda encontrava-se indeciso diante da necessidade do sacrifício “Jaci”.
Martins foi imperativo: “se soltares a Jaci, tu és que receberás a bala”. E sem
muito discurso e julgamento, coube ao Chico, ainda no mesmo dia junto ao
montículo de terra solta que denunciava o jazigo de “Jaci”, fazer uma prece
pela namorada com que sonhara.
Esse relato serve para mostrar que a consideração humana ao
índio não havia, pode até mesmo aludir para abusos sexuais. Matar um indígena,
seria o mesmo que um animal qualquer, essa visão não era exclusiva do bugreiro
e sim o resultado do avanço capitalista facilitado por medidas governamentais.
Uma matança que teve seu início com a conquista da América.
4.2 – O
Debate Humanista
O genocídio que estava ocorrendo a solta no interior de Santa
Catarina cada vez mais era noticiada na imprensa nacional e logo tomou
dimensões internacionais. Alguns humanistas saíram em defesa dos Xokleng,
defendiam o fim carnificina. Segundo SANTOS (1997) foi fundado em Santa Catarina
no ano de 1906, precisamente na cidade de Florianópolis a “Liga Patriótica para
a catequese dos Silvícolas”. Ainda em 1906, o Major Engenheiro Pedro Maria
Trompowsky Taulois (positivista e maçom), um dos fundadores da Liga, convidou o
naturalista e etnógrafo tcheco Albert Vojtech Fric para assumir a pacificação
dos Xokleng já que o mesmo era conhecedor do genocídio que ocorria com esses
povos indígenas.
A liga teve curta duração, mas levou Fric a uma excursão no
interior de Santa Catarina e Paraná e fica conhecendo o contexto em que se
desenvolvia o extermínio dos habitantes nativos. O conhecimento desse quadro
levou-o a denunciar em Viena em 1908, durante a realização do “XVI Congresso
Internacional de Americanicistas”.
Denunciou que a colonização se processava sobre os cadáveres de centenas
de índios, mortos sem compaixão pelos bugreiros, atendendo aos interesses das
Companhias de Colonização, de comerciantes de terra e do governo².
As denuncias de Fric repercutiram no exterior e dentro do
Brasil, a questão tornou-se motivo de um amplo debate – a questão indígena não
estava localizada apenas em Santa Catarina -
o governo da república pelo “ Decreto Nº 8.072 de 20 de julho de
1910, criou e inaugurou no mesmo ano, 7
de setembro SPI e localização de trabalhadores nacionais, visando a atração e a
proteção de índios hostis e arredios, bem como a proteção de colonização com
trabalhadores rurais”³.
Após ter sido ouvido o SPI, até então o General Cândido
Mariano da Silva Rondon designou o Tenente José Vieira da Rosa para atuar como
inspetor em Santa Catarina. Mais tarde o SPI resolveu instalar “postos de
atração” em diferentes pontos do Alto Vale do Itajaí e da região do Rio Negro
(Porto União), onde teria ocorrido diverso ataques indígenas. Em 1912,
Fiovarante Esperança e seu grupo sertanista do SPI, foram mortos numa dessas
tentativas de aproximação com um subgrupo Xokleng, nas vizinhanças de Rio
Negro. Os índios fugiram e só aceitaram a “pacificação” em 1918.
_________________
2 – Informações de Silvio Coelho dos Santos. Os Índios Xokleng. P.31.
3– RIBEIRO, Darcy apud NAMEM, Alessandro Machado. Botocudo: Uma História de Contato.
Florianópolis: Editora da UFSC, 1994, p.20.
No Alto vale do
Itajaí, o trabalho de atração teve sucesso em 1914 por uma pequena equipe de
funcionários do SPI, liderados pelo jovem Eduardo De Lima e Silva Hoerhan. Essa
difícil missão de contato pacifica contou com colaboração de intérpretes
Kaingang. Foi feito em torno dos postos de atração, roças visando a alimentação
dos índios, presentes eram colocados em diferentes pontos, gramafones tocavam
diferentes músicas. Em 22 de setembro de 1914, Hoerhan conhecendo todos riscos,
atravessou nu e desarmado os espaços de uma clareira as margens do Rio Plate
(afluente do Rio Itajaí do Norte) e se confraternizou com os índios. A
“pacificação” estava em marcha na versão dos brancos, enfim aquele grupo
Xokleng havia sido “amansado”. Para os Xokleng eles que estavam conseguindo
“amansar” Hoerhan e seus companheiros, pois os servidores do SPI atenderam as
suas exigencias4.
4.3 – A
Tragédia Xokleng Pós-Contato
Após o contato de 1914 no Alto Vale do Itajaí, as
dificuldades encontradas por Hoerhan foram imensas devido aos escassos recursos
destinados pela SPI. Procurou-se atender as necessidades imediatas dos
indígenas como o abrigo e a alimentação. Hoerhan iniciou também uma longa
discussão com as autoridades para a criação de uma reserva no local. Muitas
coisas que pertenciam ao dia-a-dia do Xokleng foram proibidos ou desestimulados como as excursões a floresta para a prática
da caça e coleta, evitando deixá-los a mercê da violência praticadas pelo
branco, os rituais da furação do lábio inferior dos jovens, a tatuagem nas
pernas das meninas e a cremação de
mortos – tudo isso para evitar a aglomeração que facilitavam a disseminação de
doenças endêmicas.
_________________
4 – Comentário de SANTOS (1997, p.56) sobre os dois
pólos de visões, a do indígena e a do branco.
Para má sorte dos indígenas, o processo de extermínio ainda
estava em franco desenvolvimento. Pois além de uma nova adaptação que tiveram
que se submeter consistindo na aprendizagem de uma nova língua, na mudança da
dieta alimentar, na limitação a liberdade de ir e vir, na adaptação à vida
sedentária e na submissão a economia de mercado. Paralelamente os indígenas
foram dizimados por doenças típicas da civilização européia como a gripe, o
sarampo, a coqueluche, a pneumonia, a varíola, doenças venéreas, entre tantas.
Em pouco tempo a maioria dos indígenas havia morrido. Hoerhan havia contatado
em 1914 aproximadamente 400 índios. Em 1932, quando o antropólogo Jules Herry
começou extenso trabalho de pesquisa entre os Xokleng. Só havia 106 indios5.
Mais tarde Hoerhan teria feito uma revelação a Darcy Ribeiro de que se pudesse
voltar atrás, não teria aldeado os indígenas, pelo menos os mesmos poderiam
morrer mais contentes, lutando contra os bugreiros.
Esse foi o
trágico resultado do avanço progressivo da colonização européia sobre o
território dos indígenas. A morte, a destruição de sua cultura. Talvez os sonho
dos Botocudos (Xokleng) possa ser identificado como o sonho dos caboclos que de
1912 a 1916 foram massacrados pelo exército na Guerra do Contestado. Os caboclos por influencia indígena
acreditavam que o deus Cadjurukrê
“iria transformar os sertões de Iguaçú em campos exuberantes”6.
coincidentemente ocorreu que alguns cafuzos provindo do seio dessa guerra,
refugiaram-se dentro da reserva indígena. Pode-se perceber assim claramente,
vencedores e vencidos. A atual exclusão social no final do século XX demonstra
claramente de que uma grande parcela da sociedade brasileira ainda é refém da
dominação e usurpação de seu trabalho e direitos humanos básicos.
_________________
5 – Idem p.57.
6– Cadjurukrê é o deus dos Kaingang segundo DERENGOSKI, Paulo
Ramos. O Demoranamento do Mundo Jagunço. FCC Edições, Florianópolis:
1986. O mesmo apresenta importantes informações sobre a religiosidade dos oclos
na Guerra do Contestado, sendo que a sua ligação com a cultura indígena precisa
de um estudo aprofundado.
CONCLUSÃO
As hipóteses estabelecidas nessa pesquisa com vista em
determinar os fatores que provocaram o genocídio dos Xokleng foram em parte
confirmadas. Algumas parcialmente, tiveram acrescido outras
importantes informações. Cada capítulo procura responder um a determinada
questão.
O primeiro capítulo faz uma recapitulação histórica
apresentada as características e o resultado da conquista européia; diante do
segundo capítulo concluísse que o avanço colonial da segunda metade do século
XIX provocou a migração e o refugio de grupos Xokleng do interior de Santa
Catarina, provindos do leste do Paraná. As políticas governamentais foram
decisivas na marginalização deste povo no Alto Vale do Itajaí, onde ficaram
cercados pelas diversas frentes de colonização. O terceiro capítulo faz
referencia ao contato violento do povo Xokleng com os colonos europeus, sendo
que a violenta reação indígena e até mesmo a fuga que teve o seu ápice no
inicio do século XX, pode ser considerado uma forma de resistência.
Concomitantemente houve diversos massacres aos indígenas deliberados por
empresas de colonização com apoio governamental. Desta forma, o último
capítulo, destaca a dimensão do genocídio indígena ocorrido no Alto Vale do
Itajaí, destacando a figura do Bugreiro como “caçadores” impiedosos. Após o
contato pacífico em 1914 culmina com despopulação de 2/3 daquela constatada
originalmente, devido às epidemias.
Como conclusão geral pode-se extrair que a política de
colonização com sua característica expansionista no final do século XIX, levada
ao reboque pelo avanço capitalista passaram a ocupar os últimos bolsões de
terras virgens provocando o extermínio em massa dos indígenas nas duas
primeiras décadas do século XX.
Dessa pesquisa monográfica não resulta apenas confirmações de
hipóteses estabelecidas no projeto, mas surgem novas questões como a migração
de grupos Xokleng contatado em 1914, no Alto Vale do Itajaí. Segundo NAMEM,
esse grupo migrou do leste do Paraná para Santa Catarina na metade do século
XIX. Pergunta-se sobre o destino de outros grupos que habitavam
tradicionalmente o território entre Porto Alegre e Paranaguá (PR), localizados
entre as proximidades do litoral e as encostas do planalto, como esclarece o
mapa do ANEXO.
Outra discussão a ser levantada seria a natureza da postura
agressiva e arredia que caracterizava o povo Xokleng, que se diferenciavam da
passividade dos Carijós, que habitavam o litoral catarinense. A questão a ser
colocada seria se essa resistência agressiva origina-se de uma cultura Xokleng
ou desenvolveu-se diante do processo de usurpação de suas terras e todo um
histórico de exploração do homem branco, partindo do apresamento pelos
bandeirantes?
Questões à parte, essa pesquisa teve a seu favor uma farta
bibliografia, relatos verbais e fotos da época. No entanto, fica-se devendo
maior aprofundamento diante da escassez do tempo na consulta de documentos
jornalísticos e oficiais da época e o devido aprofundamento sobre o ponto de
vista indígena.
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